Introdução
Há
algum tempo tive oportunidade de palestrar em uma igreja (Católica) sobre este
tema e desde então, alguns amigos que ali estavam presentes, insistiam
comigo para que eu fizesse um texto ou um artigo baseado na palestra que
ministrei naquela oportunidade. Decidi, então, escrever este pequeno
artigo para tratar deste tema que tanto me atrai e que espero também possa
atrair a atenção de alguns dos leitores deste.
Deixo
claro, também, que irei focar minha explanação na relação entre arte e fé, na
visão da igreja católica, pois é a que melhor conheço e a única que saberia
relacionar os temas. Aos leitores de outros credos digo que deve haver algo que
possa relacionar-se com as demais profissões religiosas existentes. Aos que não
creem, ou que não tem uma religião pré-definida, digo que pode ser interessante
pensar a cerca deste tema e de como o ser humano relaciona-se com o divino
através da arte.
A Arte e o Divino
Desde
os primórdios da humanidade, na pré-história o homem retrata suas divindades
seja por meio de pinturas rupestres, seja por meio de totens que serviam
como representações materiais de seus deuses (foi dai, por exemplo, que surgiu
o termo "fetiche"). Na antiguidade clássica os gregos e mais tarde os
romanos retrataram seu panteão de deuses em esculturas e na arquitetura de seus
inúmeros templos, em seus poemas, peças teatrais e muito provavelmente em suas
músicas que já se perderam. Neste mesmo período, porém, existiam também outros
povos como, por exemplo, os judeus, que, ao contrário dos gregos que eram
antropocêntricos (o homem no centro de tudo), eram teocêntricos (Deus no centro
de tudo) e voltavam sua inspiração artística - quase que totalmente voltada à
música - a louvar seu Deus. Com o advento do cristianismo e principalmente no
período da idade média e depois no barroco a arte voltou-se inteiramente a
retratar o divino ou a relação do homem com este. Foi na idade média que a
música começou a ser graficamente assinalada por meio do canto gregoriano, que
o teatro começou a ser usado como meio de evangelização e as pinturas,
esculturas e arquitetura serviam para elevar os olhos do homem para Deus.
No Catecismo da Igreja
Católica vê-se que:
"o desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do
homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair
o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade
que procura sem descanso”. [1]
E
ainda que “criado à imagem de Deus, chamado
conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus descobre certos caminhos
de acesso ao conhecimento de Deus.” (Catecismo da Igreja Católica). Pois
bem, um desses caminhos é por meio da beleza (pulcrum), que há no mundo conforme nos diz Santo Agostinho nesta
passagem:
“Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar interroga
a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu [...]
interroga todas estas realidades. Todas te respondem: Estás a ver como somo
belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor. Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez
senão o Belo, que não está sujeito à mudança?” [2]
Agostinho que foi doutor da Igreja, era um importante
teólogo e filósofo da idade média e sua filosofia era neoplatônica, ou seja,
ele se inspirava nos ensinamentos do filósofo grego Platão o que se percebe
claramente no excerto acima citado, pois ao conhecermos as belezas terrenas que
são imperfeitas chega-se a beleza e esplendor celeste que são perfeitos.
Se tomarmos isso como uma verdade chegamos a certas
conclusões.
Ora, o que é a arte se não um retrato da beleza do mundo
que nos cerca? Então, se conhecemos a beleza das artes terrenas, nossa alma achega-se
mais para perto de Deus. Pelo menos a minha achega-se certamente, quando, só
para citar um exemplo, ouço o trecho “Domine
Deus” do “Glória” de Vivaldi
(link para apreciação da música: https://www.youtube.com/watch?v=lqWSzAiTuAA). Mas você pode estar pensando: Tudo bem! Até
agora você só falou de arte sacra, mas e as que são profanas?
Antes
de responder gostaria de ressaltar que profano não tem nada haver com demoníaco
ou pecador, como alguns pensam, profano é somente algo que não é sacro, ou
seja, que não é religioso.
Agora sim, respondendo a questão, a arte mesmo que não
seja feita para elevar a alma ao plano divino como a arte sacra, quando bem
executada, tem o poder de arrebatar o expectador ou mesmo o executor ao outro
plano, que pode ser chamado como queira: divino, celeste, austral, metafísico e
etc.
É difícil por exemplo ouvir a área “Fortuna imperatrix mundi” da “Carmina
Burana” de Carl Off, que é considerada a obra mais profana de todas e não
ser arrebatado pela extrema beleza que esta exprime (link para apreciação da
música: https://www.youtube.com/watch?v=-AOEu2tSQ48 ).
Citemos, agora um exemplo teatral brasileiro: Nelson
Rodrigues. Bom, você deve estar pensando: “Os textos teatrais de Nelson Rodrigues
são fortes de mais para que eles nos façam alçar algum plano divino.” E de fato
eles tratam de assuntos mundanos (mundano significa do mundo e também não tem nada de pecado) e com vistas às
mazelas do ser humano e talvez seja impossível relaciona-los diretamente com
Deus ou com qualquer plano divino. Mas se somos criação divina, ao nos fazer
refletir sobre a podridão da humanidade, os textos de Nelson Rodrigues podem
fazer elevarmo-nos o espírito, pois ao vermos nossa podridão, podemos, de
alguma maneira, tentar sermos melhores e alcançarmos patamares mais próximos ao
divino. Isso sem contar o fato de que um ser humano ser dotado de escrever
textos tão complexos e abrangentes já uma marca do criador em sua vida. Isso
fica claro quando lembramos de uma das cenas do filme “Amadeus”, que conta a história da vida do compositor
Mozart, na qual Salieri, que era um temente a Deus, não consegue compreender
como Mozart, que era o que popularmente chamamos hoje “porra loca”, conseguia
compor músicas infinitamente melhores que as suas, ou seja, mesmo tendo uma “vida
torta”, Mozart havia sido dotado de um dom divino, o dom da música.
Fecho
este artigo concluindo que, não importa se sacra ou profana, a arte, pelo menos
a mim, faz que a alma achegue-se para próximo do plano divino por sua beleza e
capacidade intelectual (ou dom se preferir) daqueles que a executam tão
magistralmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário