terça-feira, 12 de maio de 2015

A Arte e o Divino

Introdução
    
Há algum tempo tive oportunidade de palestrar em uma igreja (Católica) sobre este tema e desde então, alguns amigos que ali estavam presentes, insistiam comigo para que eu fizesse um texto ou um artigo baseado na palestra que ministrei naquela oportunidade. Decidi, então, escrever este pequeno artigo para tratar deste tema que tanto me atrai e que espero também possa atrair a atenção de alguns dos leitores deste.
Deixo claro, também, que irei focar minha explanação na relação entre arte e fé, na visão da igreja católica, pois é a que melhor conheço e a única que saberia relacionar os temas. Aos leitores de outros credos digo que deve haver algo que possa relacionar-se com as demais profissões religiosas existentes. Aos que não creem, ou que não tem uma religião pré-definida, digo que pode ser interessante pensar a cerca deste tema e de como o ser humano relaciona-se com o divino através da arte.

A Arte e o Divino

Desde os primórdios da humanidade, na pré-história o homem retrata suas divindades seja por meio de pinturas rupestres, seja por meio de totens que serviam como representações materiais de seus deuses (foi dai, por exemplo, que surgiu o termo "fetiche"). Na antiguidade clássica os gregos e mais tarde os romanos retrataram seu panteão de deuses em esculturas e na arquitetura de seus inúmeros templos, em seus poemas, peças teatrais e muito provavelmente em suas músicas que já se perderam. Neste mesmo período, porém, existiam também outros povos como, por exemplo, os judeus, que, ao contrário dos gregos que eram antropocêntricos (o homem no centro de tudo), eram teocêntricos (Deus no centro de tudo) e voltavam sua inspiração artística - quase que totalmente voltada à música - a louvar seu Deus. Com o advento do cristianismo e principalmente no período da idade média e depois no barroco a arte voltou-se inteiramente a retratar o divino ou a relação do homem com este. Foi na idade média que a música começou a ser graficamente assinalada por meio do canto gregoriano, que o teatro começou a ser usado como meio de evangelização e as pinturas, esculturas e arquitetura serviam para elevar os olhos do homem para Deus. 
No Catecismo da Igreja Católica vê-se que:
  "o desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso”. [1] 
E ainda que “criado à imagem de Deus, chamado conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus descobre certos caminhos de acesso ao conhecimento de Deus.” (Catecismo da Igreja Católica). Pois bem, um desses caminhos é por meio da beleza (pulcrum), que há no mundo conforme nos diz Santo Agostinho nesta passagem:
“Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar interroga a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu [...] interroga todas estas realidades. Todas te respondem: Estás a ver como somo belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor. Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo, que não está sujeito à mudança?” [2]
            Agostinho que foi doutor da Igreja, era um importante teólogo e filósofo da idade média e sua filosofia era neoplatônica, ou seja, ele se inspirava nos ensinamentos do filósofo grego Platão o que se percebe claramente no excerto acima citado, pois ao conhecermos as belezas terrenas que são imperfeitas chega-se a beleza e esplendor celeste que são perfeitos.
            Se tomarmos isso como uma verdade chegamos a certas conclusões.
            Ora, o que é a arte se não um retrato da beleza do mundo que nos cerca? Então, se conhecemos a beleza das artes terrenas, nossa alma achega-se mais para perto de Deus. Pelo menos a minha achega-se certamente, quando, só para citar um exemplo, ouço o trecho “Domine Deus” do “Glória” de Vivaldi (link para apreciação da música: https://www.youtube.com/watch?v=lqWSzAiTuAA). Mas você pode estar pensando: Tudo bem! Até agora você só falou de arte sacra, mas e as que são profanas?
Antes de responder gostaria de ressaltar que profano não tem nada haver com demoníaco ou pecador, como alguns pensam, profano é somente algo que não é sacro, ou seja, que não é religioso.
            Agora sim, respondendo a questão, a arte mesmo que não seja feita para elevar a alma ao plano divino como a arte sacra, quando bem executada, tem o poder de arrebatar o expectador ou mesmo o executor ao outro plano, que pode ser chamado como queira: divino, celeste, austral, metafísico e etc.
            É difícil por exemplo ouvir a área “Fortuna imperatrix mundi” da “Carmina Burana” de Carl Off, que é considerada a obra mais profana de todas e não ser arrebatado pela extrema beleza que esta exprime (link para apreciação da música: https://www.youtube.com/watch?v=-AOEu2tSQ48 ).
            Citemos, agora um exemplo teatral brasileiro: Nelson Rodrigues. Bom, você deve estar pensando: “Os textos teatrais de Nelson Rodrigues são fortes de mais para que eles nos façam alçar algum plano divino.” E de fato eles tratam de assuntos mundanos (mundano significa do mundo e também não tem nada de pecado) e com vistas às mazelas do ser humano e talvez seja impossível relaciona-los diretamente com Deus ou com qualquer plano divino. Mas se somos criação divina, ao nos fazer refletir sobre a podridão da humanidade, os textos de Nelson Rodrigues podem fazer elevarmo-nos o espírito, pois ao vermos nossa podridão, podemos, de alguma maneira, tentar sermos melhores e alcançarmos patamares mais próximos ao divino. Isso sem contar o fato de que um ser humano ser dotado de escrever textos tão complexos e abrangentes já uma marca do criador em sua vida. Isso fica claro quando lembramos de uma das cenas do filme “Amadeus”, que conta a história da vida do compositor Mozart, na qual Salieri, que era um temente a Deus, não consegue compreender como Mozart, que era o que popularmente chamamos hoje “porra loca”, conseguia compor músicas infinitamente melhores que as suas, ou seja, mesmo tendo uma “vida torta”, Mozart havia sido dotado de um dom divino, o dom da música.
            Fecho este artigo concluindo que, não importa se sacra ou profana, a arte, pelo menos a mim, faz que a alma achegue-se para próximo do plano divino por sua beleza e capacidade intelectual (ou dom se preferir) daqueles que a executam tão magistralmente.



[1] Catecismo da Igreja Católica, versão digital na página: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p1s1c1_26-49_po.html
[2] Santo Agostinho, Sermão 241. 2: PL 38, 1134.

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